Século XIV.
Barcelona dos sonhos de muitos e da riqueza de poucos. O bairro dos pescadores.
Bernat Estanyol, um servo da terra, tinha fugido da vingança de um senhor
feudal e quer ser um homem livre. Santa Maria do Mar, a Igreja que se desenha
pano de fundo duma trama romanesca grandiosa, de ódios e amores, histórias e
estórias que se mesclam nas ruas, nas casas de personagens de autêntica sensibilidade,
de uma humanidade tocante. Há fugas, fome, violência, castelos e traições,
raiva, e desengano, amor, encontros furtuitos, desditas que se compõem em fios
de vida, correrias de crianças que, na praia, enfrentam a noite e o
desconhecido…
O jovem Estanyol
trabalha arduamente para ajudar a construir aquela que será também a sua Igreja,
sublime construção perto do mar, no Bairro da Ribera, onde as gentes se
encontram mais tarde, para olhar e venerar a Virgem que sorri (e ainda hoje
sorri, se olharmos atentamente, mistério de uma cidade que nos envolve com paixão…).
Logo no início
do romance, uma festa de casamento. Dois jovens e a respetiva família. Festa.
Alegria. Cavalos ao longe… E tudo muda… para sempre… inevitavelmente. Tudo por
causa de um direito que não se quer aceitar e que o senhor feudal faz valer.
Nada mais será como seria suposto. E a estória se enreda nos factos que fluem,
com uma técnica capaz de prender até à última página. Esfregamos os olhos,
incrédulos, perante a capacidade de o autor nos fazer vivenciar a história de
todas aquelas pessoas, que são, entretanto, também, ou da nossa família, ou da
nossa rua ou bairro, mas, certamente, da nossa mais profunda imaginação e
entranhados nas nossos sentimentos de leitores. Mistério e intriga urdidos ao
pormenor, meticulosamente. Peripécias que fascinam, intensas, vibrantes,
galopantes…
História e
ficção misturam-se nesta obra de Falcones, numa Barcelona de contos medievais.
No fim, a vontade premente de cruzar a porta magnífica que viu os bastaixos com
as pedras às costas, dia após dia, a chorar as mágoas e a celebrar a vida.
A continuar,
para quem não resistir, “Os Herdeiros da Terra”, do mesmo autor, talvez menos
poético, talvez menos propenso ao sonho, mas igualmente digno de uma Barcelona
férrea de lutas e glórias.
Glória
Pires