Os fins de semana continuam
a permitir ecos daquilo que vamos vivendo.
Porque hoje é sábado (12 de dezembro 2020)
Novamente a banalidade de um sábado de confinamento a partir das
13H.
Fazendo jus ao provérbio “depois da tempestade vem a bonança”, o
dia amanheceu com luz, um sol fraquinho e pontuado de quando em quando com o
chilreio de um passarinho.
Digno de reparo hoje, foi a forma lenta e compenetrada com que um
senhor, sentado numa das mesas do café e aparentando mais de 70 anos, deslizava
o dedo num telemóvel touch srceen. Questionei-me: seria Facebook? Jornal
online? E porque estava ele com a máscara pendurada só numa orelha se o café já
estava bebido?
Na padaria outro reparo a propósito do uso da máscara. Entra um
senhor, sexagenário, sem ela colocada e o empregado, um rapaz novo, alerta-o. Resposta
em tom agressivo, quase a rondar a ameaça “Já sei, já sei. Já vai!”. E foi com
muita calma que retirou a máscara do bolso do casaco e a colocou.
Compreendendo o inusitado da medida e a dificuldade que é falar e
respirar com tal adereço, custa-me a aceitar que estas pessoas se não dêem
conta do risco que estão a criar para elas e para os outros…
Já em casa e à janela, observo o movimento de carros e de gente na
entrada e saída do Braga Parque. Há compras para fazer, bem sei, mas a nossa
saúde e bem-estar não serão prioritários?
Numa altura em que há máquinas para fazer tudo e que tudo (ou
quase) se pode comprar feito, resolvo partir umas folhas de couve para o caldo
verde. Aprendi que por estas bandas se diz segar as couves, mas eu continuo
beirã dos quatro costados e minhota emprestada! E embora haja outro provérbio
que diz “Em Roma sê romano”, no que toca à linguagem, certas palavras e
expressões minhotas não conseguem entrar no meu vocabulário.
Voltando à verdura, foi com muito cuidado, com uma faca de cortar
legumes não profissional e com a imagem da minha mãe e do meu pai a fazer esse
trabalho, que parti, digo, seguei a couve galega.
Nota de 0 a 10?
PS1: Já agora, na gíria gastronómica diz-se cortar a couve em
juliana.
PS2- Embora eu goste mais de “meter a mão na massa” e só use as
máquinas e embalados em situações especiais, não resisto a divulgar esta
receita dos tempos modernos!
Bimby
Ingredientes
- Azeite, a
gosto
- Alho em
pó, a gosto
- 250g de preparado
para caldo verde (couve galega)
- Manjericão,
paprika e pimenta preta a gosto
Preparação
- Coloque o
azeite no copo da Bimby e o alho em pó, programe 4 min | temp 100º C |
vel 1
- Junte o
preparado para caldo verde (couve galega) e programe 5 min | temp 100º
C | vel Colher Inversa
- A meio
tempo tempere com manjericão, paprika e pimenta.
- Verifique
se ficou cozida a couve e retire. Caso contrário programe mais alguns
minutos à mesma temperatura.
Rosa
Sousa
O inusitado quotidiano de demasiadas
famílias.
Já nem sei bem quem sou… Contudo
não duvido para onde vá!
Professora? Mãe? Mulher?
Pasteleira? Amiga? Vizinha?
Anti – Covideira?
Pois bem, vejamos…
Alguém cá por casa queixa-se de
dor de cabeça, apenas me ocorre o óbvio, aconselhar a medicação para a sinusite
que está sempre presente quando isso acontece. Porém, uma hora depois já o
Dito-Cujo sai de máscara aviada, direção Braga para realizar o teste à
Covid-19, sendo que, no dia seguinte, a sentença cai: positivo!
Plim: mail da escola.
Nunca mais o vimos, só por
videochamada, instalou-se no andar de cima, álcool gel numa mão, spray de
lixívia na outra, já temo a overdose, até acho que entrou pela janela…
A partir desse momento, o
primeiro andar virou central telefónica para todos os contactos recentes.
E nós cá em baixo?
Plim: mail classroom para
o filho mais velho.
Começa a engrenagem SNS para a
mãe, cartão de cidadão, número de segurança social, idade – já agora desde
quando se pede a idade a uma Donzela como eu? – código daqui, senha dali, mais
umas quantas questões. UFA! Já agora, tenho dois filhos comigo, que faço?
Bimba, novos telefonemas SNS,
mais uma hora, novos códigos e senhas para cada um deles. Não me perguntem a
quem pertencem todos esses benditos números que surgem no meu telemóvel, é que
nem sou da área dos números!
Plim: - Professora, pode rever a
passagem da segunda parte para a expressão oral?
Só me lembro daquelas pessoas
sós, com alguma idade, que mal conseguem ver os números no telemóvel. Como
conseguirão fazer estas chamadas? Ficamos em espera, marque 1, marque 2, vá
tomar um café que volto já, marque 3, marque 4, que música horrorosa, um
Vivaldi ou um Chopin, não?
Facto é que, dali a duas horas, sob
chuva torrencial, estamos na Serra do Carvalho, os três de máscara, direção
testes à COVID-19.
- Mãe, dói muito?
- Achas? Só sentes umas cócegas,
nada demais.
- E a zaragatoa não chega ao
cérebro?
- Era preciso que o tivesses
Mano!
- Calem-se ou abandono-vos já
aqui em pleno monte…
- Sim, sim, fugimos assim ao
teste e apanhas-nos no teu regresso.
Plim: - Professora, pode voltar a
explicar o que é livre arbítrio?
«Help! I need somebody!»
Passarei os pormenores dos
testes, são apenas cócegas especiais…
No dia seguinte, após a
delimitação de áreas estratégicas pela casa, régua, compasso e calculadora em
punho, cai nova sentença, o petiz mais novo está, ele também infetado. Parece
mentira, aquele que mais genica apresenta, sempre ligado à ficha.
E agora?
Agora, aproveita-se o Confinado
de cima para proceder às dezenas de telefonemas/contactos pelo facto do
pequenote ter testado positivo.
Trim-Trim: telefonema da Amiga A.
Quanto aos dois restantes, mãe e
filho mais velho, apesar de ainda pequeno, começam a dividir as tarefas entre
eles: cesto de roupas improvisadas para todos, casas de banho individuais,
apenas partilhada para os negativos, louças para aqui, borrifadela álcool gel
dacolá…
Problema Mãe: como jogamos à PS4
se não está na área do Mano?
Empurra sofá, desloca móvel, fita
vermelha no chão…
Que susto, voa um avião de papel
reciclado do andar de cima ensopado em desinfetante a pedir algo para comer
dizendo que, se não padecer do vírus, morre à fome!
Trim-Trim: Telefonema da Amiga B.
Trim-Trim: Telefonema da Querida
Colega da Escola que me ajuda tanto.
Calma, muita calma.
E a escola?
Trim-trim: Telefonema da Direção
da minha escola.
- Vamos arranjar uma solução, não
te preocupes!
Pois, no dia seguinte, os dois
manos têm teste, os meus alunos têm aulas, supostamente comigo…
Telefonemas à direita,
telefonemas à esquerda, copo de chá de limão com mel pelo meio.
Plim: questão dos alunos via
classroom
Tudo se resolve. Aulas online,
outra vez, não!
- Mãe, alguém tocou à campainha.
Dirijo-me ao portão: é a vizinha
a trazer o papel da baixa. Trabalha no Centro de Saúde. Palavras de força,
muito carinho e ânimo. Muito agradecida.
Dia de aulas:
Pequeno-almoço tomado. O Vizinho
de cima já em limpezas matinais e desinfeções intensas, um maravilhoso cheiro a
álcool gel paira no ar.
O filho positivo de tablet já a
aguardar o teste de estudo do meio, muito nervoso porque não está ali a
professora, na área vermelha, a cor foi mal escolhida, deveria ser verde; o
filho negativo no seu recanto da copa, de classroom aberta e a maldizer das
tarefas «para fazer» que os professores agendaram para aquela manhã, mesmo não
tendo a disciplina naquele dia!?!
Os meus dois polos da pilha cá de
casa, fantástico! E eu, com um simples:
- Meninos, portem-se bem, sejam
responsáveis, felizes e cumpram com todas as vossas tarefas. Qualquer dúvida,
façam videochamada com o pai que eu tenho aulas no escritório.
Plim: mail da Professora Titular,
chegou o teste de Estudo do Meio.
Que susto, uma corda quão
serpente curiosa, desliza pelas escadas abaixo com um cestinho feito de papel
reciclado com um mini-cartaz a dizer: Não me toque, mas leia-me!
- Tenho fome!
Plim: horas da aula via
meet/classroom.
Correria direção cozinha,
preparação de um pequeno almoço frugal com entrega uber ao cimo das escadas e
triplo salto para a cadeira do escritório. Grande sorriso, madeixas rebeldes
viradas para trás, apesar de saber que continuarão sempre para a frente…
Plim: grupo do whatsapp –
Professora, já podemos entrar?
Tenham a bondade, chove copiosamente
lá fora, mas as janelas estão escancaradas, quem sabe se o vírus não estará
farto de nós e decide ir dar um passeio.
- Bom dia turma! Como estão? É
que deste lado só tenho acesso a uma parede branca.
- Vamos já professora, não se
preocupe.
- Bom dia Colega, grata por estar
daí desse lado a prestar-me apoio.
Câmara para a direita, olha vi o
Paulo de telemóvel atrás da mochila, câmara para a esquerda, o José continua
virado para trás à conversa… Não, que horror!
- Querida Raquel, mostra-me lá o
quadro, por favor.
A minha cara em tamanho
gigantesco na tela a dar a aula, até «Regresso ao futuro I, II e III» teriam
maior sucesso, sem dúvida alguma.
Pondo de parte aquela visão
aterradora, decidi ser eu, dar a aula, explicar o poema, refilar por causa das
notas obtidas nos testes, ouvir as apresentações orais e tecer comentários o
mais construtivos possíveis, pôr a Senhora Professora presente na sala ao
barulho, solicitar-lhe opinião.
Não fossem alguns cortes e falhas
da net, poderia até afirmar que foi uma aula normal.
Trim-Trim: Os Amigos C tocam à
campainha para entregar umas natinhas e umas iguarias que jamais esperaríamos
nesse momento. De coração cheio.
As aulas continuam. Outra turma,
outra professora a apoiar-me, outros alunos a reagirem com a maior normalidade,
como se já procedêssemos desta forma há décadas. Uma educação tremenda, um
sentido de humor que permite quebrar o gelo do ecrã, a concentração no
trabalho…
Não, não pensem que quero
continuar confinada!
Quero poder retribuir a todos
aqueles que me estão a dar: o respeito, a solidariedade, o carinho, a amizade,
os sorrisos, os telefonemas, o empenho, a pseudo-normalidade, a sorte de
continuar a trabalhar…
Quero poder ver a três dimensões
sem óculos virtuais e, apesar de ainda não ter a possibilidade de distribuir
aqueles abraços e aquele «toque» de que falava um aluno meu, quero voltar…
Plim: um vídeo no whatsapp no
grupo família: o Dito-Cujo do andar de cima encenou uma atuação a cantar
«Soltem o Prisioneiro, sou prisioneiro…»
Helena
Bártolo