E fechamos a edição sobre o Modernimo...
Agradecemos todos os contributos e todas as leituras!
E fechamos a edição sobre o Modernimo...
Agradecemos todos os contributos e todas as leituras!
Não restam dúvidas:
o modernismo chegou mesmo!
Modernismo:
O futuro do passado
Modernismo… O que é isso? Um movimento cultural, pelo que entendi da aula. Se bem que a professora não nos deu muitos detalhes, realmente quis tornar isto um desafio para todos! “Escrevam sobre o Modernismo. Utilizem o formato textual que bem vos apetecer” disse… E agora, cada um que se desembarace como puder e souber. Sabendo eu que a maior parte dos trabalhos iriam ser uma imitação dos primeiros dez links que saltam à vista ao pesquisar o tema na internet, optei por fontes de informação mais seguras e originais. Resolvi ir à biblioteca da cidade. Há uma primeira vez para tudo, não é mesmo?!
Mal terminaram as aulas,
dirigi-me ao tal local onde expõem os artefactos literários. Uma caminhada
custosa, uns bons cinco quilómetros. Não havia ainda chegado a meio caminho, e
o meu pensamento já remoía a ideia de ir para casa e retirar a informação da
segunda página do Google, de forma a parecer menos óbvia a minha trapaça. Foi num destes momentos de introspeção e
mesura de valores morais, que me distraí completamente do meu propósito com o
que me parecia ser uma feira, mas bem longe do seu local habitual. Cresceu em
mim uma inquietação incessante, aproximei-me. Quanto mais perto estava, mais me
deslumbrava. Era tal e qual as feiras que se veem nos filmes americanos:
inúmeras tendas com jogos, atrações e comida. Quase podia jurar que nada estava
lá no dia anterior! Fui deambulando pelos corredores improvisados, comprei umas
bolachas e bebi um sumo de laranja. Não tardou até estar perdido no meio de
todo aquele alvoroço!
“Venha! Fuja daqui… vá para
longe! “ouvi eu à distância. Parecia de propósito, não havia nada que eu mais
quisesse naquele momento. Então, corri, seguindo a voz que eu supus ser a da
“salvação”. Qual foi o meu espanto no momento em que percebi que não iria para
longe no espaço, mas sim no tempo. Deparo-me com uma barraca com um cartaz que
dizia: “Experiência de realidade virtual!!! 10€ apenas; levámo-lo ao passado ou
ao futuro!”. Quase que me enganavam com a do futuro. Como seria possível ir ao
futuro, se este ainda não aconteceu? Pois! Em contrapartida, intrigou-me a
ideia de visitar o passado! Pensei logo se daria para “visitar” o tempo do
Modernismo, porventura adiantar trabalho, já que estava a perder tempo na
feira. Uma pequena procura no telemóvel e… zumba! Já está! O ano de 1922 vai
servir, pertence à primeira metade do século XX. Entrei e pedi: “para 1922, Lisboa,
por favor”. Estendi mão ao bolso e tirei uns muito poupados quinze euros, dos
quais ainda sobraram sete, visto que consegui regatear um pouco com o indivíduo
do balcão. Deram-me uns óculos especiais e uma espécie de luvas, penso. Não
sabia para que serviriam, apenas que cheiravam um pouco mal, então mantive as
mãos afastadas da cara. Enfiaram-me de seguida numa salinha, quase ao empurrão.
As luzes ligaram-se e lá
estava eu, a grande Lisboa, a capital! Tive imediatamente a certeza de que “estava
no passado”, a minha visão tinha mudado. Parecia um filtro vintage do Instagram,
daqueles que os Influencers topo de gama usam sempre que vestem calças
largas, ou seja, às segundas-feiras. À minha frente, empoleirava-se um
quiosque, daqueles redondos, no meio da rua, com uns acabamentos dourados na
cúpula. Bonito, de facto. Na parte do atendimento encastelavam-se cerca de uma
dezena de revistas. Fui fazendo um novo monte com elas enquanto lia os headlines:
“Modernismo: a nova cultura. A reexaminação do tudo e do todo!”; “O domínio
moderno do real em relação ao subjetivo. A valorização da Razão!”; “A euforia
do moderno: Modernização desmesurada causa ansiedade e conflitos na
sociedade.”; “Autoconheça-se! Psicanálise freudiana: aceda aos confins da sua
mente.”; “Pintura moderna: reveja a exposição “Humoristas e Modernistas”
(Porto, 1915)”; “Francisco Franco de Sousa e Leopoldo de Almeida: escultores e
arquitetos do nosso tempo; O Pavilhão Expositivo do Mundo Português e a Igreja
de Nª Srª de Fátima.” Dei por mim num
mar de rosas. Estava ali tudo o que precisava para o trabalho, todas as
vertentes do Modernismo, as suas caraterísticas e as pessoas que as
representavam. Só não tinha o tempo necessário para ver todas as informações.
Posto isto, tentei a minha sorte e peguei numa só revista para analisar com
mais atenção. Era uma nova, de seu título: “Charles Baudelaire: o início da
literatura moderna?”. Folheava e lia, até que um nome sobressaiu. O senhor
Fernando Pessoa, o poeta que é fingidor, não mentiroso, que é um gato, uma
criança, uma flor… ou que pelo menos o desejava. O artigo falava das primeiras
publicações de Pessoa ortónimo na revista Orpheu, em 1915, e de como foram mal
recebidas. Pobre homem moderno, foi dos primeiros! Esqueceu o passado, o
ultrapassado, comprometeu-se com as experiências da vida moderna e publicou
poemas complexos, difíceis demais para a sociedade retrógrada que o
acompanhava. Foi um inovador. E, de
repente, tudo preto.
Durou tanto quanto oito euros
puderam pagar. Retiraram-me da sala, devolvi o equipamento e saí da tenda.
Durante algum tempo não consegui ver muito bem, devido à diferença das cores,
mas rapidamente passou. Quem diria que um imprevisto viria a ser tão favorável,
que me permitiria realizar um trabalho certamente moroso. Já sabia bastante
sobre o Modernismo. Estava pronto a começar. Afinal de contas, a minha primeira
visita à biblioteca não foi naquele dia. Rapidamente fui para casa e, enquanto
tinha a memória fresca, escrevi…
As informações continuam a chegar.
Hoje, publicamos uma carta e uma entrevista inéditas!
Excelentíssimos leitores, já temos provas concretas do que temos vindo a afirmar, foi descoberta pelo nosso repórter Daniel Ramalho, uma carta escrita pelo próprio Fernando Pessoa ao seu fiel amigo Mário de Sá-carneiro. Tudo está a ser preparado, Além disso, após várias investidas ao lobo solitário que é Fernando Pessoa (Pedro Fernandes 12ºE), a nossa jornalista Fabiana Catarino (12ºE), em exclusividade para o nosso Jornal, conseguiu uma pequena entrevista. Já não há dúvidas possíveis: o Modernismo apodera-se da sociedade.
UMA CARTA INÉDITA A MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
Lisboa, 2 de fevereiro de 1915
Meu querido Sá-Carneiro:
Há de ter estranhado o tempo que eu
tenho levado para lhe escrever. É possível que se tenha, até, ofendido um pouco
comigo. Peço-lhe, por amor de Deus, que o não faça. Eu vou explicar-lhe tudo, e
a explicação é bem compreensível.
Eu tenho tido, com efeito, bastante que
fazer. Tenho tido, é certo, várias pequenas causas a tomarem-me muitos pequenos
bocados de tempo. O restante do meu tempo, tem sido empregue em um poema que
tenho estado a escrever, para o qual gostaria de ter a sua imprescindível
opinião, mas não só, há uma ideia, um visão, que não quer sair da minha mente,
mas essa eu explico mais à frente.
Se estou só, quero não
estar,
Se não estou, quero
estar só,
Enfim, quero sempre
estar
Da maneira que não
estou.
Ser feliz é ser aquele.
E aquele não é feliz,
Porque pensa dentro
dele
E não dentro do que eu
quis.
A gente faz o que quer
Daquilo que não é nada,
Mas falha se o não
fizer,
Fica perdido na
estrada.
O que me diz o meu caro
amigo?
A tormenta que tem
lutado para não sair da minha mente é uma visão, uma vontade de rutura com os
padrões e inovações. Por que razão não mudar tudo? Não podemos ficar presos ao
passado. A sociedade precisa de uma nova cultura. Temos que a implantar e não
vamos ser desconfiados, acredito que sejamos capazes de conseguir implementar
esta nova ideia literária. Seremos precursores como Einstein e Freud e
criaremos o nosso berço de nascimento para um Portugal moderno e voltado para
um futuro audaz. No meio de tantas mudanças e inovações, não podemos ficar
presos às glórias do passado, temos de tornar Portugal grande novamente.
O que me dizes, caro Sá-Carneiro,
de instituirmos em conjunto uma revista literária como nunca antes vista em
Portugal. Nem que tenhamos de ir e voltar ao mundo dos mortos, não cometendo,
porém, o pecado fatal de Orfeu, de olhar para trás, temos de manter firme o
nosso olhar para um futuro intrépido, contudo sempre glorioso.
Orpheu, como
denominação para a revista que espalhe esta nossa nova ideologia, parece-lhe
bem? Não comente, marcaremos os espíritos…
Aguardando a sua
resposta com a maior brevidade possível.
Fernando Pessoa
EM EXCLUSIVO
uma entrevista de Fabiana Catarino e Pedro Fernandes (12ºE)
As informações continuam a chegar ao PB online.
Acompanhem-nas!
Durante estes próximos dias, acompanharemos um tempo novo!
O Modernismo invade Portugal.
As turmas 12ºB e 12ºE e a professora Helena Bártolo
convidam-nos a acompanhar os testemunhos diretos de quem vive este momento.
Desabafos de uma empregada
Faz
precisamente hoje um
Não
consigo compreender, escreve, escreve, .... passa os dias a escrever, e o que
publica, aqueles poemas, que raramente aparecem para apanhar a luz do dia, parece
que nem sentido
Pelo
que dizem, este maluquinho guarda todos os pedacinhos de papel onde gatafunha
aquela caligrafia horrorosa. Decerto que
Mas
não é só ele, ele é um dos inconscientes que decidiram introduzir, no nosso
país, esta nova corrente artística, a que chamam Modernismo.
Até
os pintores, escultores e arquitetos aderiram, feitos macaquinhos de imitação,
não bastavam os escritores, tiveram todos de ir atrás, em filinha indiana.
Os
pintores, abandonaram o naturalismo e realismo, a que estava tão habituada. Trocaram
as belas pinturas que retratavam a natureza (e que me transmitiam felicidade),
os incríveis detalhes e a fidelidade ao real (tanto nos retratos, paisagens e
cenas do quotidiano, ... tudo o que escolhiam transmitir nas suas telas) por
críticas e denúncias sociais, políticas e do clero, que são representadas
através de formas demasiado geométricas, não livres, que por vezes até me
parecem forçadas, mas que aos entendidos transmitem movimento. No que toca ao
seu preenchimento predominam as cores vibrantes, berrantes, ... cores que nem
pensava que os pintores se atreveriam a utilizar. Mas,
Isto
é vergonhoso, escandaloso até. Talvez começar este movimento tenha sido o maior
erro que alguém já cometeu. Como é que há pessoas que apreciam este novo tipo
de rabiscos retos, que se parecem com os gatafunhos de Pessoa? A continuar
assim, nem quero imaginar como será a pintura, literatura e todas as formas de
arte no tempo dos meus bisnetos, trinetos e por aí fora...
É
um despautério, absurdo, saber que estes tipos de obras andam por aí a
circular, mas ainda pior, é ter de vir trabalhar todos os dias ver estes
quadros a preencher todos os recantos do café.
Lisboa,
Rosângela
Benevides
Fernando Pessoa tem estado presente nas aulas de Português do 12ºC.
E tem sido bem recebido.
Aqui ficam algumas provas...
As pessoas de Fernando Pessoa
Neste cartoon estão apresentadas cinco figuras masculinas, de chapéu. No
centro, está ilustrado um homem de fato, maior que os outros, a segurar uma
mala por onde estão a sair as outras quatro figuras por fios. No lado
esquerdo, está desenhado um homem de fato, sentado a escrever um livro de
título “Livro do Desassossego” e um homem de jardineiras, com algo na boca e a
segurar um báculo. No lado direito, observo o único homem sem bigode e outro
sem óculos, mas com um monóculo e a escrever “Ode triunfal”.
Na minha opinião, este cartoon relaciona-se perfeitamente com Fernando
Pessoa, na medida em que apresenta quatro dos seus heterónimos. A meu ver, o
homem no centro deve representar o próprio Fernando Pessoa, uma vez que num
documentário visto em aula aprendi que o autor ia para todos os lugares com uma
arca cheia de folhas escritas por ele; logo, faz sentido que os seus
heterónimos saiam de lá. O primeiro homem poderá simbolizar Bernardo Soares, um
semi-heterónimo que escreveu o “Livro do Desassossego”. A segunda personagem
poderá representar o poeta bucólico Alberto Caeiro, que terá nascido em 1889 e
falecido em 1915, que viveu quase toda a sua vida no campo e redigiu os livros
“O Guardador de Rebanhos”, “O Pastor Amoroso” e “Os Poemas Inconjuntos” e que
foi considerado pelo próprio Pessoa como sendo o seu mestre. O primeiro homem
do lado direito deverá retratar o poeta clássico Ricardo Reis, que nasceu em 1887,
faleceu em 1936, foi discípulo de Alberto Caeiro, aparecia quando Fernando
Pessoa estava cansado ou sonolento e que foi caracterizado por ele como “um
pouco mais baixo, mais forte e seco que Caeiro e usando a cara rapada”. Por
fim, a última figura poderá retratar Álvaro de Campos, que nasceu em 15 de
outubro de 1890 às 13:30h, usava um monóculo, escreveu “Opiário” e “Ode
triunfal” (como está representado no desenho) e foi o heterónimo que mostrou
mais evolução nas correntes literárias, visto que passou por três fases: a
decadência, a luz e a tristeza.
Portanto, todos eles podem ser identificados e reconhecidos no cartoon
através de objetos e/ou elementos caracterizadores das suas personagens:
Bernardo Soares pelo livro “Livro do desassossego”; Alberto Caeiro pela
vestimenta de pastor e o báculo; Fernando Pessoa pela sua arca (ou mala);
Ricardo Reis pela ausência de bigode e Álvaro de Campos pelo seu monóculo e o
livro “Ode triunfal”.
Fernando Pessoa, poeta muito
conhecido na literatura portuguesa, mas, tal como Cesário Verde, também
não foi devidamente reconhecido no seu tempo.
No dia 13 de junho de 1888, dia
de S. António, por volta das 15 horas, Fernando Pessoa nasce na cidade de
Lisboa. Por ter nascido neste dia, teve como segundo nome António, sendo
registado como, Fernando António de Nogueira Pessoa.
Durante anos, a vida do poeta foi
uma constante mudança, mas o que não mudava era a sua obsessão pelas letras e a
compulsividade de escrever. Podemos dizer que Fernando Pessoa tinha várias personalidades
e para cada uma elas criava uma identidade dando-lhes vida. Porém, como a sua
poesia não era admirada pelo público, Pessoa teve vários empregos: tradutor - a língua
inglesa era praticamente a sua língua materna -, publicitário -criando, inclusive, o 1.º slogan publicitário para a venda da Coca-cola em Portugal: “Primeiro estranha-se,
depois entranha-se”.
Fernando Pessoa morre a 30 de
novembro de 1935, no hospital de São Luís dos Franceses, em Lisboa, com o
diagnóstico de Cirrose Hepática, mas, após a sua morte, o povo português
apercebeu-se do tesouro que os seus poemas eram e, hoje, damos o devido valor e o devido respeito à sua obra literária.
Fernando Pessoa – a minha
autobiografia
Foi no dia 13 de junho de 1888 que eu, Fernando
António Nogueira Pessoa, nasci. E não houve melhor dia do que esse, o de Santo
António, padroeiro de Lisboa, o meu lar, a cidade que amei mais do que tudo.
Modéstia à parte, acho que todos vós sabeis quem sou: Fernando Pessoa, sim, aquele
escritor, aquele que inventou muitos escritores. Chega a ser irónico o meu
apelido ser “Pessoa”: eu não sou só eu, eu sou muitos eus, muitas pessoas
diferentes, bem diferentes, mas igualmente importantes. Afinal, quem seria eu
sem os meus eus?
A “minha querida mamã”, Maria Madalena, nasceu nos
Açores. Como foi ela quem me ensinou a escrever, nada mais justo do que lhe ter
dedicado os meus primeiros versos, que redigi aos sete anos. O meu pai, Joaquim
Pessoa, nasceu em Lisboa, mas não o conheci bem – a tuberculose levou-o quando
eu tinha apenas cinco anos. Em 1896, a minha mãe e eu fomos para Durban, para o
pé do meu padrasto, João Rosa, mas, nove anos depois, regressei a Lisboa, para
não mais de lá sair. Era Lisboa que me inspirava, era Lisboa que me acolhia, no
seu seio materno e caloroso. Aí, tentei abrir a empresa Íbis, que não durou
mais de um ano, com a herança da minha falecida avó Dionísia (que sempre me
assustou, com a sua mente conturbada).
O emprego com que fiquei foi o de correspondente
estrangeiro em casas comerciais, vulgo, tradutor. E que rico emprego, que me
dava tempo para escrever, escrever muito, escrever sobre a tragédia da
existência, sobre a ilusão, sobre a vida, sobre a morte, enfim, escrever sobre o
que me ia na alma. Escusado será dizer que escrever sempre foi a minha paixão. Por
falar em paixões, namoradas só tive uma, Ofélia Queiroz. Era boa menina a
Ofélinha, mas eu vim ao mundo para “ser sozinho”, como já dizia Álvaro de
Campos num dos seus (ou dos meus) poemas.
Sozinho é como quem diz, só o era quando queria.
Mudava muitas vezes de casa, sem esquecer a minha arca com os papéis onde
escrevia, e tanto vivia sozinho como acompanhado. Amigos tinha muitos, gostava
de trocar correspondência com eles, de ir aos cafés, ou, cá para nós, de lhes
pedir algum dinheiro, quando o que tinha não chegava para as minhas coleções de
roupa e de livros. Por muito que eu gostasse da minha própria companhia,
custava-me vê-los partir, como foi o caso de Mário de Sá-Carneiro, que me
deixou cedo demais.
Enfim, fui um homem pacato, modesto e sereno, mas bom
humor não me faltava, nem mesmo durante as minhas crises depressivas. Morri em
1935, da forma como me sentia bem: sozinho, em Lisboa, vítima do álcool, que me
acompanhou durante toda a minha vida. Deixei--vos muitas recordações, muitas
folhas, muitas obras, muitas pessoas, que, em vida, não me deram o
reconhecimento com o qual sempre sonhei. De mim, resta apenas a minha alma, que
vos fala agora. A finitude humana não nos deixa ser nada se não isso mesmo:
nada. O que importa é viver cada momento e não perder tempo com questões
existenciais, que apenas nos trazem angústia, revolta e nada mais. Celebrai a
vida: a felicidade está onde não a vemos.
Fontes: Casa Fernando Pessoa; reportagem Grandes Portugueses – Fernando Pessoa
Autobiografia de Fernando Pessoa
Nasci a 13 de junho de 1888, no
dia de Santo António, padroeiro de Lisboa, do qual advém o meu nome, Fernando
António Nogueira Pessoa.
Passei a minha infância com minha
mãe, Maria Madalena Pinheiro Nogueira, que sabia falar francês, inglês e tocar
vários instrumentos musicais. Meu pai, Joaquim de Seabra Pessoa, que escrevia
críticas musicais, morreu numa madrugada de 1893, quando eu tinha apenas 5
anos, devido à fatal doença dos pulmões, também conhecida como tuberculose.
Pouco tempo depois, minha mãe
volta a casar com o comandante João Miguel Rosa que posteriormente foi
destacado na África do Sul como cônsul português em Durban. Foi por essa altura
que nasceu o meu primeiro “eu”, Chevalier de Pas, que viria a fazer parte de
“uma múltipla rede de muitos eus”.
Em 1896, a minha família e eu
partimos para a nossa nova vida desconhecida em África.
Acredito que suplantei as expectativas
que as pessoas tinham em relação à minha presença na escola, tendo atingido um
alto nível de prestígio no meu percurso enquanto aluno. Sempre me inspirei nos mestres da literatura inglesa como Shakespeare, Edgar Allan Poe e John
Milton. Durante a minha adolescência, estes grandes nomes proporcionaram-me um
refúgio muito apreciado e estimado.
Quando chegou a altura de entrar
para uma faculdade, decidi candidatar-me a Oxford ou Cambridge. Embora tivesse a
nota de admissão mais alta, não obtive uma bolsa académica, porque não cumpria o
mísero requisito de ter frequentado uma escola inglesa.
Depois deste acontecimento, decidi
regressar definitivamente a Portugal com apenas 17 anos.
Ingressei no Curso Superior de
Letras da Universidade de Lisboa, mas rapidamente desisti devido à falta de
interesse que despertava em mim. Não era algo que me desafiava e, por essa
mesma razão, não encontrei motivos para continuar.
Para mim, ser escritor não é uma
profissão, é a minha forma de estar na vida. Enquanto dedicava parte do meu
tempo a escrever poemas, decidi, também, começar a trabalhar como tradutor de
correspondência comercial, ou como muitos chamam, "correspondente
estrangeiro". Esta é uma ocupação magnífica uma vez que considero o inglês
uma das minhas línguas principais.
Agora, que reflito sobre o meu
passado, verifico que o meu lar é, na verdade, a cidade de Lisboa. Durante toda
a minha vida, vivi em quartos e casas alugadas, sem assentar em lado algum.
Para ser franco, apenas necessitava do meu baú e dos meus escritos.
O isolamento era imprescindível
para a minha escrita, contudo não suportava quando este isolamento era imposto
por outros - cabia à minha pessoa decidir quando seriam os meus momentos de
solidão.
Enamorei-me por Ofélia Queiroz, mas, devido à minha personalidade tumultuosa e temperamental, não nos
mantivemos juntos por muito tempo.
Ao longo dos anos, fui publicando
alguns textos em revistas e jornais portugueses ou estrangeiros e comecei a
idealizar os meus outros “eus”. Cuido que os mais emblemáticos tenham sido um
trio: Alberto Caeiro, o poeta bucólico, Ricardo Reis, o poeta clássico, e Álvaro
de Campos, o poeta da Modernidade.
Sempre que tinha oportunidade
escrevia o que me vinha à cabeça, mas verifico que o momento predileto era a noite, enquanto redigia de pé.
Ao examinar a minha vida,
constato que tive bons amigos que me acompanharam, tal como, Mário de
Sá-Carneiro e Almada Negreiros, com os quais também, em tempos, trabalhei.
Muitos podem não saber, mas desenvolvi
um grande interesse pela astrologia, sendo que dediquei algum do meu tempo à
criação de horóscopos e cartas astrológicas.
Sei que é um mau hábito, porém desfruto
regularmente de um bom tabaco e absinto para me ajudar a escrever e a
ultrapassar os dias mais difíceis.
É com grande pesar que me
despeço, nestes momentos finais da minha existência, da pátria que me amparou
durante toda a minha vida. Hoje, dia 30 de novembro de 1935, parto com uma
mensagem final: "I know not what tomorrow will bring".
Matilde Carvalho (12ºC)