sábado, 10 de dezembro de 2022

A alma das gentes em «Retratos à la Minuta», de José Bento da Silva

    Há dias recebi uma inesperada e preciosa prenda. O bom amigo e colega José Bento da Silva teve a simpatia de me deixar na escola secundária um exemplar da sua última obra, «Retrato à la minuta». Esta obra reúne numa esmerada edição de autor um conjunto de textos que, para arrumação de ideias, designo de crónicas. Textos que com regularidade foi publicando no jornal da Póvoa de Lanhoso, o centenário Maria da Fonte, e também na sua página pessoal do Facebook.
    Os «Retratos à la minuta» é uma coletânea de textos que incidem sobre as vidas de pessoas que nasceram ou viveram ou ainda vivem na nossa Póvoa: mestres, operários, artistas de todas as artes, comerciantes, taxistas, cozinheiras e domésticas, homens e mulheres de muitos ofícios, sobre as quais José Bento centrou a sua apurada pena. O autor dedicou ao povo simples da nossa Póvoa o seu talento de investigador e de atento repórter, deixando transparecer neste seu trabalho o indisfarçável prazer que esta sua missão lhe dava, mais ainda, dando expressão à sua postura tão humana e dignificante, para ele cada pessoa vale por si mesma, independentemente das suas limitações ou das que a sociedade lhes impõe. Num jeito tão saramaguiano, José Bento empresta a sua arte àqueles a quem as crónicas oficiais normalmente esquecem, porque se entretêm a tecer loas às sumas personalidades. Para elas se dedica a pluma doutros cronistas da terra.

   Quando lemos as breves narrativas que compõe este livro é como se folheássemos um álbum de família e as memórias da casa, a pouco e pouco, nos fossem confidenciadas, num diálogo tão humano e próximo. Os homens e mulheres sobre os quais a luz reveladora do autor incide transfiguram-se nos heróis e heroínas que ergueram a nossa comunidade, a suportaram e robusteceram, tantas vezes com o suor e as lágrimas, mas sobretudo com a resiliência, a diligência e a tenacidade que só a alma original e genuína do povo é capaz de gerar. Cada narrador-personagem a quem o escritor empresta a voz traça, então, a sua saga, repleta de triunfos, mas também de trágicos desfechos. Antes que a memória lhes falte e o esquecimento, cujo manto a morte lança sobre todos, o gesto do autor surgiu e tornou-se um ato essencial, fazendo destas página a lápide que cada um gostaria que lhe lavrassem quando os seus ossos descansarem da exaustiva jornada.
    Num estilo muito seu, com uma linguagem solta e coloquial, sempre tão expressiva, José Bento conta, de uma forma tão viva e repleta de fino humor, as peripécias de cada ser humano que a sua escrita, tal como a objetiva do fotógrafo, tão bem soube captar. Nesse relato, o autor vai-nos prendendo de tal forma que também nós leitores nos afeiçoamos aos rostos e ao caráter dessas pessoas, dando-nos a vizinhança e proximidade que nos faltavam.
    Imagino com que prazer e emoção um sem número de famílias povoenses reverão nestes textos saudosas páginas das vidas dos seus entes queridos que já partiram ou cuja saúde atirou para o leito dum lar. Mas não sei se os destinatários preferenciais deste livro saberão da dedicada abnegação do autor, espelhada nas incontáveis visitas, nas inúmeras conversas e entrevistas meticulosamente agendadas, ou se se aperceberão do efeito positivo que o lavor deste livro causará àqueles a quem coube a sorte de serem objeto da sua  atenta e tão carinhosa e sobretudo tão humana escrita. O professor José Bento deixou-nos  com este seu trabalho mais ricos e mais imbuídos de amor para com as gentes da Póvoa. Insisto na palavra professor, porque com ele aprendemos todos a ser cada vez mais humanos e generosos.

    Querido amigo, um muito obrigado por mais esta oferta. Espero que a tua saúde, a tua energia e esse tão generoso talento nos continue a mimar com os teus livros.


Manuel Sousa