quarta-feira, 24 de março de 2021


Do conto tradicional ao conto de autor, eles fazem parte de nós, 
da infância aos bancos da escola, da realidade à ficção, do sonho à imaginação.
Os alunos de 12º ano decidiram recontar-nos, 
atrair-nos para o mundo paralelo dos contos, 
viajando da proa telúrica de Miguel Torga 
às entrelinhas de Camilo Castelo Branco. 
E um saltinho a Maria Judite de Carvalho.
Viajem com eles e deixem-se surpreender!


Civilização de Eça de Queirós, por Miguel Almeida do 12ºB: aqui 

 

Solidão de Miguel Torga, por Rodrigo Gomes do 12ºB - é possível ver e ouvir aqui 


Memórias de uma forca de Eça de Queirós por Luís Ferreira do 12ºB para ver e ouvir aqui.

 

O moinho de Eça de Queirós por Carina Viegas, do 12ºB: aqui


Maria Lionça de Miguel Torga por Helena Neves do 12ºB para ver e ouvir aqui


A aia de Eça de Queirós por Margarida Mendes do 12ºB: aqui




E o conto "George", de Maria Judite de Carvalho, por alguns alunos do 12ºC


Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são.(…)

A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.

Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1982. - 387. (com supressões)

 

O conto “George”, de Maria Judite de Carvalho retrata vários temas como a liberdade, a vontade de viajar e o desapego das nossas raízes para explorar o mundo. Existem inúmeras obras de literatura, pintura, música e outros tipos de expressão artística que exploram estas temáticas nas mais variadíssimas formas. Por exemplo, o poema de Jean-Louis Chrétien “Apenas um viajante sem bagagem”, vai ao encontro da linha de pensamento da nossa personagem principal, dizendo-nos que o mais importante é conhecer novos lugares, ser completamente livre, sem medo do mundo exterior. Um outro poema que aborda as questões referidas por George no conto é “Viajar! Perder países!” de Fernando Pessoa. Este poema indica-nos que, ao viajar, podemos ser pessoas totalmente diferentes, sem nos prendermos a ninguém. De certa forma também nos estamos a conhecer a nós próprios, a descobrir quem verdadeiramente somos e talvez seja essa a razão pela qual George gosta tanto de viajar. Este viajar sem rumo de George pode ser uma busca incessante pelo seu verdadeiro “eu”.

Matilde Carvalho 12.ºC

 

 

A família de George é marcada pela pobreza e pela impossibilidade de aquisição de um conhecimento que esteja para lá do lugar onde vive. Assim, com o decorrer do tempo, um sentimento de insatisfação e um desejo incessante de liberdade foi crescendo dentro de Gi, levando-a à saída da aldeia em que cresceu, algo que não era muito aceite naquela época, visto que as mulheres eram vistas como seres muito vulneráveis e dependentes. É possível relacionar as ideias presentes neste excerto com o conto “Civilização”, de Eça de Queirós, visto o protagonista, ansioso por uma mudança, decide sair do ambiente a que estava acostumado, mudando de uma forma radical todo o seu estilo de vida.

Gi é caracterizada como alguém que não atribui qualquer importância aos bens materiais e às relações interpessoais, o que vemos através do número reduzido de cartas escritas à família, dos poucos amigos que pensa ter, questionando a autenticidade das suas amizades e ao facto de viver em quartos alugados, para não se sentir “presa” a nada. Podemos ver que em “Sou um viajante”, de Jean-Louis Chrétien, também nos é referido que só podemos aproveitar totalmente uma viagem, caso não levemos qualquer tipo de bagagem ,sendo que só assim seremos “livre[s] em direção ao que verdadeiramente interessa”.

 Fábio Rodrigues, 12.ºC

 


“George”, de Maria Judite de Carvalho, uma leitura…

Em “George”, surge a imagem da memória – a memória da juventude, a memória de Gi. Essa memória surge representada por “uma fotografia que tem corrido mundo numa mala qualquer”, ou seja, George tenta, a todo o custo, esquecer o passado – como bem dizia Freud, acabamos por nos esquecer daquilo que nos traz angústia, que prejudica o nosso bem-estar. George é uma mulher inconformada, que não se prende aos bens materiais, seguindo o lema de Pessoa – “Ter é tardar.” (“O das Quinas”, em Mensagem). É por isso que se ausenta do passado, assim como Portugal deixou desvanecer a memória de D. Afonso Henriques, filho de D. Teresa – “O homem que foi o teu menino / Envelheceu” (“D. Tareja”, em Mensagem).

Critica-se, também, o machismo. Numa sociedade retrógrada e sexista, considerava-se que as mulheres que partiam “à descoberta da cidade grande” se perdiam. No entanto, George não se deixa levar pelas convenções da sociedade, tornando-se numa pessoa livre. Tal como dizia José Gomes Ferreira, “Mas qualquer balouçar do vento me parece Liberdade.”. George passa a ser, então, uma pessoa em metamorfose, o que nos é mostrado pelas constantes mudanças no seu cabelo, que ocorrem “por cansaço de si”, tal como Álvaro de Campos se considera “a charada sincopada / Que ninguém da roda decifra nos serões de província” (“Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo”, em Poesia dos Outros Eus), cansando-se, também, de si próprio, da sua inutilidade.

George pode, assim, e mais uma vez, ser associada a Álvaro de Campos, quando este dizia, em “Lisbon revisited (1923)”, “Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?”.

Como referido, George considerava que os bens materiais não possuem qualquer interesse. O desapego face aos materiais pode simbolizar o desapego em relação às memórias, ao passado. Assim como Pessoa dizia em “Quinto Império” (Mensagem), “Triste de quem vive em casa, / contente com o seu lar”.

Assim, George é uma personagem inconstante, mas revolucionária, que junta vários pedacinhos daquilo que de melhor há na literatura portuguesa.

Maria João Fontão, 12.ºC