Civilização de Eça de Queirós, por Miguel Almeida do 12ºB: aqui
Solidão de Miguel Torga, por Rodrigo Gomes do 12ºB - é possível ver e ouvir aqui
O moinho de Eça de Queirós por Carina Viegas, do 12ºB: aqui
Maria Lionça de Miguel Torga por Helena Neves do 12ºB para ver e ouvir aqui
Viajar? Para viajar basta existir. Vou de
dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu
destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos,
sempre iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são.(…)
A vida é o que fazemos dela. As viagens são os
viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1982. - 387. (com supressões)
O conto “George”, de Maria Judite
de Carvalho retrata vários temas como a liberdade, a vontade de viajar e o
desapego das nossas raízes para explorar o mundo. Existem inúmeras obras de
literatura, pintura, música e outros tipos de expressão artística que exploram
estas temáticas nas mais variadíssimas formas. Por exemplo, o poema de
Jean-Louis Chrétien “Apenas um viajante
sem bagagem”, vai ao encontro da linha de pensamento da nossa personagem
principal, dizendo-nos que o mais importante é conhecer novos lugares, ser
completamente livre, sem medo do mundo exterior. Um outro poema que aborda as
questões referidas por George no conto é “Viajar!
Perder países!” de Fernando Pessoa. Este poema indica-nos que, ao viajar,
podemos ser pessoas totalmente diferentes, sem nos prendermos a ninguém. De
certa forma também nos estamos a conhecer a nós próprios, a descobrir quem
verdadeiramente somos e talvez seja essa a razão pela qual George gosta tanto
de viajar. Este viajar sem rumo de George pode ser uma busca incessante pelo
seu verdadeiro “eu”.
Matilde Carvalho 12.ºC
A família de George é marcada pela pobreza e pela impossibilidade de
aquisição de um conhecimento que esteja para lá do lugar onde vive. Assim, com
o decorrer do tempo, um sentimento de insatisfação e um desejo incessante de
liberdade foi crescendo dentro de Gi, levando-a à saída da aldeia em que
cresceu, algo que não era muito aceite naquela época, visto que as mulheres
eram vistas como seres muito vulneráveis e dependentes. É possível relacionar
as ideias presentes neste excerto com o conto “Civilização”, de Eça de Queirós,
visto o protagonista, ansioso por uma mudança, decide sair do ambiente a que
estava acostumado, mudando de uma forma radical todo o seu estilo de vida.
Gi é caracterizada como alguém que não atribui qualquer importância
aos bens materiais e às relações interpessoais, o que vemos através do número
reduzido de cartas escritas à família, dos poucos amigos que pensa ter,
questionando a autenticidade das suas amizades e ao facto de viver em quartos
alugados, para não se sentir “presa” a nada. Podemos ver que em “Sou um
viajante”, de Jean-Louis Chrétien, também nos é referido que só podemos
aproveitar totalmente uma viagem, caso não levemos qualquer tipo de bagagem
,sendo que só assim seremos “livre[s] em direção ao que verdadeiramente
interessa”.
Fábio Rodrigues, 12.ºC
“George”, de Maria Judite de Carvalho, uma leitura…
Em “George”, surge a imagem da memória
– a memória da juventude, a memória de Gi. Essa memória surge representada por “uma fotografia que tem corrido mundo numa
mala qualquer”, ou seja, George tenta, a todo o custo, esquecer o passado –
como bem dizia Freud, acabamos por nos esquecer daquilo que nos traz angústia,
que prejudica o nosso bem-estar. George é uma mulher inconformada, que não se
prende aos bens materiais, seguindo o lema de Pessoa – “Ter é tardar.” (“O das Quinas”, em Mensagem). É por isso que se ausenta do passado, assim como
Portugal deixou desvanecer a memória de D. Afonso Henriques, filho de D. Teresa
– “O homem que foi o teu menino /
Envelheceu” (“D. Tareja”, em Mensagem).
Critica-se, também, o machismo. Numa
sociedade retrógrada e sexista, considerava-se que as mulheres que partiam “à descoberta da cidade grande” se
perdiam. No entanto, George não se deixa levar pelas convenções da sociedade,
tornando-se numa pessoa livre. Tal como dizia José Gomes Ferreira, “Mas qualquer balouçar do vento me parece
Liberdade.”. George passa a ser, então, uma pessoa em metamorfose, o que
nos é mostrado pelas constantes mudanças no seu cabelo, que ocorrem “por cansaço de si”, tal como Álvaro de
Campos se considera “a charada sincopada
/ Que ninguém da roda decifra nos serões de província” (“Sim, sou eu, eu
mesmo, tal qual resultei de tudo”, em Poesia
dos Outros Eus), cansando-se, também, de si próprio, da sua inutilidade.
George pode, assim, e mais uma vez,
ser associada a Álvaro de Campos, quando este dizia, em “Lisbon revisited
(1923)”, “Queriam-me casado, fútil,
quotidiano e tributável?”.
Como referido, George considerava que
os bens materiais não possuem qualquer interesse. O desapego face aos materiais pode simbolizar o desapego em
relação às memórias, ao passado. Assim como Pessoa dizia em “Quinto Império” (Mensagem), “Triste de quem vive em casa, / contente com o seu lar”.
Assim, George é uma personagem
inconstante, mas revolucionária, que junta vários pedacinhos daquilo que de
melhor há na literatura portuguesa.