Porque hoje é sábado (28 de fevereiro)
Finalmente um sábado sem chuva! Um sábado que amanheceu
claro e com o sol a espreitar por entre árvores já em flor e flores que brotam
da terra para mais um ciclo de vida.
Desta vez a saída à rua foi breve e tomei um café a sério!
(máquina nova na bomba de gasolina)
Depois, hora e meia a ouvir, deliciada, o melodioso tom doce
e vincadamente alentejano da professora Ângela Balça, da Universidade de Évora,
partilhando as suas reflexões sobre a literatura tradicional. O tema era
precisamente: “O que representa a literatura tradicional na formação de
leitores” integrado no ciclo de formação LLL (Livros, leitura, leitores) que a
Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva e a Rede de Bibliotecas de Braga têm vindo a
promover todos os últimos sábados de cada mês.
Do muito que foi dito deixo aqui algumas conclusões que me
pareceram pertinentes e nos podem ajudar a ver a literatura tradicional com
mais respeito e a divulgá-la mais amiúde.
Todos sabemos que ouvir e contar histórias às crianças faz:
1-
Expandir o seu conhecimento do mundo
2-
Promover a sua competência literária
3-
Contactar e conhecer textos do repertório de
imagens simbólicas que fazem parte do nosso património coletivo
4-
Desenvolver a sua competência estética
5-
Experienciar uma relação afetiva com os textos
Ora, o que tem acontecido, segundo estudos levados a cabo em
algumas universidades, é que os contos estão presentes no intertexto leitor,
não através da literatura oral, mas da televisão ou do cinema, nomeadamente a
Disney.
Tendo por base a noção de cultura oral definida por Steiner,
que basicamente é aquela que constantemente reatualiza as memórias, o
imaginário cultural e literário de uma mesma coletividade, assistimos a um
conhecimento massificado por parte da indústria cinematográfica e livreira, mas
a um desconhecimento total de tradição oral.
Quem tem ainda hoje a sorte de ter avós, tios ou mesmo pais
que contem, sem recurso ao livro ou à imagem do cinema, a história da
carochinha ou do capuchinho vermelho? E que, como o meu avô fazia nos longos
serões de inverno e nas tardes de verão, fazendo jus ao ditado “quem conta um
conto, acrescenta um ponto”, nos deliciava com versões sempre novas e sempre
imprevisíveis das histórias que ele sabia de cor! Sim, o meu avô era analfabeto.
Felizmente, de alguns anos para cá, temos vindo a assistir
nas nossas escolas e, mais recentemente nos programas de televisão, à presença da
figura do contador de histórias, com mulheres em maior número.
Dizia Ângela Balsa que a geração de professores mais novos
precisa de ser ajudada pelos mais velhos para mobilizar esta tradição oral tão
rica que nós temos ( e em geral todas as culturas) e, à falta de modelos
presenciais, recorrer às coletâneas que, desde o séc.XIX, estão editadas e
disponíveis no mercado editorial e nas bibliotecas. Nomes como Teófilo Braga,
Adolfo Coelho, Consiglieri Pedroso e António Thomas Pires (circunscrito ao
Alentejo), deixaram-nos obras inesquecíveis e que merecem ser revisitadas e
recontadas.
Deixo exemplos dessas recolhas de contos populares de
tradição oral e prometo voltar ao assunto com o que há de novo e de qualidade
no mercado editorial português.
E, claro que não podia terminar esta crónica sem relembrar
que temos muitos exemplares destes contos e de outros mais recentes nas
nossas bibliotecas escolares, que as histórias não têm idade, podem ser
partilhadas desde o ensino pré-escolar ao ensino secundário, assim como entre
adultos pela vida fora.
O que importa mesmo é que sejam boas narrativas orais ou
bons livros.
Viória, vitória, …
Rosa Sousa
*Nota da Redação
Ainda que a habitual crónica de sábado tenha chegado com algum atraso, é sempre um gosto lê-la.