quinta-feira, 4 de março de 2021

 

Porque hoje é sábado (28 de fevereiro)

Finalmente um sábado sem chuva! Um sábado que amanheceu claro e com o sol a espreitar por entre árvores já em flor e flores que brotam da terra para mais um ciclo de vida.

Desta vez a saída à rua foi breve e tomei um café a sério! (máquina nova na bomba de gasolina)

Depois, hora e meia a ouvir, deliciada, o melodioso tom doce e vincadamente alentejano da professora Ângela Balça, da Universidade de Évora, partilhando as suas reflexões sobre a literatura tradicional. O tema era precisamente: “O que representa a literatura tradicional na formação de leitores” integrado no ciclo de formação LLL (Livros, leitura, leitores) que a Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva e a Rede de Bibliotecas de Braga têm vindo a promover todos os últimos sábados de cada mês.

Do muito que foi dito deixo aqui algumas conclusões que me pareceram pertinentes e nos podem ajudar a ver a literatura tradicional com mais respeito e a divulgá-la mais amiúde.

Todos sabemos que ouvir e contar histórias às crianças faz:

1-      Expandir o seu conhecimento do mundo

2-      Promover a sua competência literária

3-      Contactar e conhecer textos do repertório de imagens simbólicas que fazem parte do nosso património coletivo

4-      Desenvolver a sua competência estética

5-      Experienciar uma relação afetiva com os textos

Ora, o que tem acontecido, segundo estudos levados a cabo em algumas universidades, é que os contos estão presentes no intertexto leitor, não através da literatura oral, mas da televisão ou do cinema, nomeadamente a Disney.

Tendo por base a noção de cultura oral definida por Steiner, que basicamente é aquela que constantemente reatualiza as memórias, o imaginário cultural e literário de uma mesma coletividade, assistimos a um conhecimento massificado por parte da indústria cinematográfica e livreira, mas a um desconhecimento total de tradição oral.

Quem tem ainda hoje a sorte de ter avós, tios ou mesmo pais que contem, sem recurso ao livro ou à imagem do cinema, a história da carochinha ou do capuchinho vermelho? E que, como o meu avô fazia nos longos serões de inverno e nas tardes de verão, fazendo jus ao ditado “quem conta um conto, acrescenta um ponto”, nos deliciava com versões sempre novas e sempre imprevisíveis das histórias que ele sabia de cor!  Sim, o meu avô era analfabeto.

Felizmente, de alguns anos para cá, temos vindo a assistir nas nossas escolas e, mais recentemente nos programas de televisão, à presença da figura do contador de histórias, com mulheres em maior número.

Dizia Ângela Balsa que a geração de professores mais novos precisa de ser ajudada pelos mais velhos para mobilizar esta tradição oral tão rica que nós temos ( e em geral todas as culturas) e, à falta de modelos presenciais, recorrer às coletâneas que, desde o séc.XIX, estão editadas e disponíveis no mercado editorial e nas bibliotecas. Nomes como Teófilo Braga, Adolfo Coelho, Consiglieri Pedroso e António Thomas Pires (circunscrito ao Alentejo), deixaram-nos obras inesquecíveis e que merecem ser revisitadas e recontadas.

Deixo exemplos dessas recolhas de contos populares de tradição oral e prometo voltar ao assunto com o que há de novo e de qualidade no mercado editorial português.

  


E, claro que não podia terminar esta crónica sem relembrar que temos muitos exemplares   destes contos e de outros mais recentes nas nossas bibliotecas escolares, que as histórias não têm idade, podem ser partilhadas desde o ensino pré-escolar ao ensino secundário, assim como entre adultos pela vida fora.

O que importa mesmo é que sejam boas narrativas orais ou bons livros.

Viória, vitória, …

Rosa Sousa

*Nota da Redação

Ainda que a habitual crónica de sábado tenha chegado com algum atraso, é sempre um gosto lê-la.