terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Escrita criativa - 8.º ano

 Sorte a minha!

Mais um dia como todos os outros. Acordei por volta das seis da manhã, dei a minha corrida matinal e ainda tive tempo de fazer uns alongamentos. Tomei o meu pequeno-almoço com calma, tomei um banho e, como ainda faltava algum tempo para o autocarro passar, dei uma revisão na matéria.

Quer dizer, isto foi o que eu imaginei na minha cabeça a noite passada. Mesmo que eu fosse capaz de acordar a tal hora, lá fora chovia torrencialmente e seria impossível dar a tal “corrida matinal”. A verdade é que só de pensar em correr, logo de manhã, quase me falta o ar. E até cheguei a pôr o despertador para as seis da manhã, mas assim que acordei, adormeci novamente. Voltei a acordar por volta das nove, quase uma hora depois de as aulas terem começado. Apenas tive tempo de vestir umas calças e uma t-shirt. Peguei na bicicleta e pedalei ao máximo. Mal conseguia ver por causa da chuva. E, para minha sorte, começou a cair granizo a meio do caminho! Porque é que não peguei no suéter?! Com aquele frio achei que ia congelar. Mas tinha mesmo de chegar antes da próxima aula. Tinha teste a português e ainda tinha de comprar uma caneta, pois, com a pressa, esqueci-me da mochila. Ainda para mais, tinha tirado negativa no último teste e, se não melhorasse, a minha mãe não me ia deixar voltar às aulas de música. Não podia deixar isso acontecer de todo! Principalmente depois das horas que passei a estudar.

Cheguei a tempo! Toda ensopada, constipada, a tremer e cheia de feridas por causa do granizo, mas cheguei a tempo. A única coisa boa daquele dia! Achava eu. Mal entrei para a sala já tinha o diretor à minha espera. Acompanhei-o até ao gabinete e até já sabia o que aí vinha.

- Isto assim não pode continuar! Já é a terceira vez esta semana que chega atrasada e nesse estado!

- Na verdade é a quarta. - Corrigi.

- Ainda pior! Estou a ser tolerante consigo há imenso tempo, menina Jane! Mais um atraso que seja e está expulsa!

- Ok… Acho que nunca o tinha visto tão furioso. Aliás, ele costumava ser bastante calmo mas, desta vez, estava mesmo fora de si. O que eu ia fazer? Às vezes parecia mesmo que o Universo se esquecia da minha existência. Sabem quando uma pessoa de vez em quando diz: “Que sorte que tive, começou a chover mesmo quando cheguei a casa.” Pois, comigo isso nunca acontece. Aquilo que posso dizer é: “Sempre que saio de casa começa a chover.” Parece que essa tal de sorte não quer nada comigo. Sorte a minha, não é?

Ao menos, o meu professor deixou-me fazer o teste noutro dia. Pelo menos isso. Naquele momento, estava a ferver de febre, a tremer de frio, quase a desmaiar. Tiveram de chamar uma ambulância. Desmaiei pouco antes de ela chegar e acordei no hospital com a minha mãe aos pés da cama, preocupadíssima. Fingi-me de adormecida. Sabia que quando ela me visse acordada, ia levar um raspanete. Já não era a primeira vez que aquilo acontecia.

Dois dias depois, tive alta e fui fazer o teste. Consegui uma positiva! Baixa, mas pelo menos, podia continuar com as aulas de música. A música era a única coisa que me corria bem na vida. Nem sei o que faria se a minha mãe me impedisse de tocar violino. Naquela noite, tive um concerto e correu bem. O pior foi á saída quando vi o Nate a beijar a Érica.

O Nate e eu éramos melhores amigos desde sempre. Crescemos juntos e éramos inseparáveis. Eu comecei gostar dele há algum tempo atrás mas nunca tive coragem para lhe contar. Já a Érica era minha rival. Tocávamos juntas mas ela fazia sempre de tudo para tentar arruinar as minhas apresentações. Por isso, parece que o amor também não era muito o meu forte.

A música era sem dúvida a única coisa que corria bem comigo. Tocava desde os meus cinco anos e sempre cantei desde pequenina. Todos dizem que eu tenho um dom para isso. Talvez por isso, quando toco ou canto, seja a única altura em que o Universo se lembra de que eu existo.

Cheguei a casa e dei a desculpa de que estava bastante cansada para fugir às felicitações. Apenas me deitei na cama a tentar raciocinar. Acabei por adormecer com as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto.

Acordei no dia seguinte e não me apetecia fazer nada. Acabei por pegar num livro e comecei a ler. Não me apetecia sair de casa, tinha a sensação de que ia acabar mal, mais uma vez. Mas assim que peguei no livro caiu um envelope. Estava escrito em Francês e apenas distingui as palavras: “Musical Opera Paris”. Bastou isso para descer as escadas a correr e a gritar.

- Mãe! Oh mãe!

- Encontraste a carta, foi?

- Entrei? Entrei para a Ópera?

- Não só entraste como ganhaste uma bolsa de estudos para os próximos 3 anos. Só temos um problema. As tuas notas a francês não são lá grande coisa.

Era verdade. Apenas tinha conseguido positiva porque o Nate me foi sussurrando algumas respostas. Nem sei o que faria sem ele.

- Eu vou melhorar, prometo! Posso ir? Por favor…

- Podes ir, mas tens de te esforçar mais no francês e no resto.

E assim comecei a estudar um pouco todos os dias. A única maneira que arranjei para não voltar a chegar atrasada às aulas foi mesmo ir com a minha mãe logo às seis e meia da manhã em vez de ir de autocarro às sete e meia. Assim não adormeço de certeza uma vez que ela faz questão de me vir acordar.

No último dia de aulas, despedi-me de toda a gente. Passei o dia com todos os meus amigos. Foi então que o Nate me chamou à parte. Contou-me que gostava de mim e pediu-me em namoro.

- Mas então, e a Érica?-perguntei.

- Já não nos falamos há meses. Ficou toda chateada assim que descobriu a nossa amizade e nunca mais me dirigiu uma palavra.

Um ano depois, sou uma das melhores alunas da escola da Opera e, apesar de não dominar muito o francês, desenrasco-me bem. Quanto ao Nate, estamos juntos há um ano e falamos todos os dias.

E, no final das contas, o Universo acabou por se lembrar da minha existência e parece que decidiu compensar-me pelos anos de esquecimento.

 Mariana Fernandes – 7.º A