Desta vez, deixemo-nos visitar por Alberto Caeiro:
uma perspetiva do quotidiano sob o olhar de Caeiro.
Visão de Alberto Caeiro da
atualidade
Meus caros amigos, vendo o
Portugal que agora nos rodeia assim como o resto do mundo, fico com saudades do
século passado.
Onde estão as florestas de
árvores sem fim, os campos verdejantes, o gado e até os animais selvagens que
encontrávamos no belo território português?
Que é feito da nossa natureza e
da harmonia e calma que lhe estavam adjacentes?
Quando olho ao meu redor, apenas
me deparo com esses pedaços de metal aos quais chamam telemóveis e que aparentemente são interessantes o suficiente para
as pessoas perderem horas a interagir com esses pequenos ecrãs mágicos.
Na minha altura, as pessoas
gastavam o seu tempo uns com os outros em contacto com a natureza. Desta forma,
a gente era feliz e deixava que a serenidade que provinha de tudo que era
natural nos invadisse e nos proporcionasse uma vida agradável.
Dizei-me vós agora como é que o
mundo vive neste turbilhão?
Já ninguém passeia pelas ruas,
tudo corre. Já ninguém conversa quando passa por alguém, não entendi muito bem,
mas parece que agora se fala sozinho para um objeto misterioso que se coloca
nas orelhas. Já ninguém apanha fruta fresca das árvores, preferem ir antes a
grandes edifícios onde já está tudo embalado e sem qualquer sabor autêntico.
Como é possível a população viver assim?
Pelo que constato, já ninguém
sabe apreciar as simples coisas da vida.
Sem pequenos momentos como a
degustação de uma maçã acabada de apanhar do pomar, uma caminhada pelo bosque,
o sentir da chuva a cair levemente nas faces e o ouvir encantador dos pássaros
a chilrear alegremente, como é que alguém consegue dizer o que é a realidade?
Só nestas ocasiões, quando nos
deixamos invadir pelos sentidos, é que podemos compreender o que nos rodeia.
Infelizmente, penso que estas
gerações de agora não dão a devida atenção à visão, ao paladar, à audição, ao
tato e ao olfato. Elas preferem usar o pensamento e, para tal, são
constantemente influenciadas pelo mar de informação que lhes é fornecida pelos
novos dispositivos digitais. A meu ver, toda a gente está formatada para pensar
da mesma maneira e para avaliar os acontecimentos através do pensamento e não
da forma certa, que é ao utilizar as sensações.
O que mais me desconsola é ver a
forma como tratam a natureza. Será que elas compreendem verdadeiramente a
importância que esta tem nas nossas vidas? Vejamos o exemplo da poluição. Para
qualquer lado que me vire, encontro este material tão nocivo para o meio ambiente.
Aquele ao qual chamam “plástico” e utilizam para fabricar quase todos os objetos
que existem, mas que, “ao fim e ao cabo”, não se sabem livrar dele, pois está
todo no chão ou nos oceanos.
O meu desejo é que as pessoas
encontrem o sentido para as suas vidas e que se apaixonem pela simplicidade dos
momentos mais pequenos que, à primeira vista, podem parecer insignificantes,
mas que fazem toda a diferença.
Temos de nos recordar que o facto
de existirmos já é algo maravilhoso e tudo o que interessa é vivenciarmos o
mundo através das sensações.
Domingo, 15 de novembro
de 2020
Em pleno século XXI, mais de cem anos depois da minha
morte, cá estou eu, de volta a Lisboa. E não podia encontrar na Terra maior
desgosto que este...
Achava eu que, com todas as geringonças deste Mundo
moderno, me iria deparar com tanta coisa nova.... Imaginava os meus olhos
sorrir, num momento de histeria e felicidade, numa explosão de sensações
vívidas, enfim, que falta sentia eu da linda realidade! Mas qual não foi o meu
espanto quando me deparei com uma cidade sem movimento, sem uma única alma
deambulante. Tentei perceber o que se passava e encontrei meia dúzia de
pessoas, todas com uns tapulhos estranhos na cara, o que me deixou ainda mais
confuso – como haveria eu de apreender a realidade sem ver os rostos das pessoas,
sem ver os seus sorrisos e sem sequer os conseguir ouvir, com aquelas coisas
que lhes abafavam a voz? Andei mais algum tempo e vi, dentro de uma loja
qualquer, um objeto retangular, onde passavam algumas imagens e se podia ler
(passo a citar) “Notícias sobre o vírus”; logo percebi que há doença por aí à
solta.
Bem, não podia ter escolhido pior altura para o meu
regresso, mas, doenças à parte, já não reconheço a cidade onde vivi. Tudo
parece cinzento, nada capta a minha atenção... No meu tempo, não havia melhor
coisa do que deitar-me na relva, contemplar o Sol, as montanhas, as flores,
enfim, sentir a realidade – nos dias de hoje, quase nem relva há! Só se vê
carros, prédios, estradas, tudo a preto e branco (podiam, pelo menos, usar
cores mais vivas, para enriquecer a paisagem), tudo igual, tudo sem vida. Como
pode esta gente viver sem sentir a espontaneidade da Natureza?
Ah, estes dias de hoje... Mas pronto, lá me vou, que
todo este pensamento me traz um maior desgosto ainda. Pode ser que, um dia
destes, tudo mude e encontre a minha Lisboa mais parecida com aquela que deixei
quando parti.
Caeiro
Maria Fontão (12ºC)
Cores
Este azul incolor
Que pinta um
quadro no meu olhar
Acolhe a terra que
eu sou,
Serpenteia o som
das gotículas,
Fim do seu próprio
fim.
Descanso inundado
pelo verde,
O verde da
paisagem,
Este verde que
tinge uns cordões
Que atam um
cérebro livre,
Vermelho do
pensamento.
Mas dói a chama
viva.
Ela surge, cresce,
alastra, domina
A floresta dos que
se deixam queimar
Por um mundo que
não é o meu.
Fernão Veloso (12ºC)