terça-feira, 15 de dezembro de 2020

 

Os fins de semana continuam

a permitir ecos daquilo que vamos vivendo.



Porque hoje é sábado (12 de dezembro 2020)

Novamente a banalidade de um sábado de confinamento a partir das 13H.

Fazendo jus ao provérbio “depois da tempestade vem a bonança”, o dia amanheceu com luz, um sol fraquinho e pontuado de quando em quando com o chilreio de um passarinho.

Digno de reparo hoje, foi a forma lenta e compenetrada com que um senhor, sentado numa das mesas do café e aparentando mais de 70 anos, deslizava o dedo num telemóvel touch srceen. Questionei-me: seria Facebook? Jornal online? E porque estava ele com a máscara pendurada só numa orelha se o café já estava bebido?

Na padaria outro reparo a propósito do uso da máscara. Entra um senhor, sexagenário, sem ela colocada e o empregado, um rapaz novo, alerta-o. Resposta em tom agressivo, quase a rondar a ameaça “Já sei, já sei. Já vai!”. E foi com muita calma que retirou a máscara do bolso do casaco e a colocou.

Compreendendo o inusitado da medida e a dificuldade que é falar e respirar com tal adereço, custa-me a aceitar que estas pessoas se não dêem conta do risco que estão a criar para elas e para os outros…

Já em casa e à janela, observo o movimento de carros e de gente na entrada e saída do Braga Parque. Há compras para fazer, bem sei, mas a nossa saúde e bem-estar não serão prioritários?

Numa altura em que há máquinas para fazer tudo e que tudo (ou quase) se pode comprar feito, resolvo partir umas folhas de couve para o caldo verde. Aprendi que por estas bandas se diz segar as couves, mas eu continuo beirã dos quatro costados e minhota emprestada! E embora haja outro provérbio que diz “Em Roma sê romano”, no que toca à linguagem, certas palavras e expressões minhotas não conseguem entrar no meu vocabulário.

Voltando à verdura, foi com muito cuidado, com uma faca de cortar legumes não profissional e com a imagem da minha mãe e do meu pai a fazer esse trabalho, que parti, digo, seguei a couve galega.


Nota de 0 a 10?       

PS1: Já agora, na gíria gastronómica diz-se cortar a couve em juliana.

PS2- Embora eu goste mais de “meter a mão na massa” e só use as máquinas e embalados em situações especiais, não resisto a divulgar esta receita dos tempos modernos!

Bimby

Ingredientes

  • Azeite, a gosto
  • Alho em pó, a gosto
  • 250g de preparado para caldo verde (couve galega)
  • Manjericão, paprika  e pimenta preta a gosto

Preparação

  • Coloque o azeite no copo da Bimby e o alho em pó, programe 4 min | temp 100º C | vel 1
  • Junte o preparado para caldo verde (couve galega) e programe 5 min | temp 100º C | vel Colher Inversa
  • A meio tempo tempere com manjericão, paprika e pimenta.
  • Verifique se ficou cozida a couve e retire. Caso contrário programe mais alguns minutos à mesma temperatura.

Rosa Sousa




O inusitado quotidiano de demasiadas famílias.

 

Já nem sei bem quem sou… Contudo não duvido para onde vá!

Professora? Mãe? Mulher? Pasteleira? Amiga? Vizinha?

Anti – Covideira?

 

Pois bem, vejamos…

Alguém cá por casa queixa-se de dor de cabeça, apenas me ocorre o óbvio, aconselhar a medicação para a sinusite que está sempre presente quando isso acontece. Porém, uma hora depois já o Dito-Cujo sai de máscara aviada, direção Braga para realizar o teste à Covid-19, sendo que, no dia seguinte, a sentença cai: positivo!

Plim: mail da escola.

Nunca mais o vimos, só por videochamada, instalou-se no andar de cima, álcool gel numa mão, spray de lixívia na outra, já temo a overdose, até acho que entrou pela janela…

A partir desse momento, o primeiro andar virou central telefónica para todos os contactos recentes.

E nós cá em baixo?

Plim: mail classroom para o filho mais velho.

Começa a engrenagem SNS para a mãe, cartão de cidadão, número de segurança social, idade – já agora desde quando se pede a idade a uma Donzela como eu? – código daqui, senha dali, mais umas quantas questões. UFA! Já agora, tenho dois filhos comigo, que faço?

Bimba, novos telefonemas SNS, mais uma hora, novos códigos e senhas para cada um deles. Não me perguntem a quem pertencem todos esses benditos números que surgem no meu telemóvel, é que nem sou da área dos números!

Plim: - Professora, pode rever a passagem da segunda parte para a expressão oral?

Só me lembro daquelas pessoas sós, com alguma idade, que mal conseguem ver os números no telemóvel. Como conseguirão fazer estas chamadas? Ficamos em espera, marque 1, marque 2, vá tomar um café que volto já, marque 3, marque 4, que música horrorosa, um Vivaldi ou um Chopin, não?

Facto é que, dali a duas horas, sob chuva torrencial, estamos na Serra do Carvalho, os três de máscara, direção testes à COVID-19.

- Mãe, dói muito?

- Achas? Só sentes umas cócegas, nada demais.

- E a zaragatoa não chega ao cérebro?

- Era preciso que o tivesses Mano!

- Calem-se ou abandono-vos já aqui em pleno monte…

- Sim, sim, fugimos assim ao teste e apanhas-nos no teu regresso.

Plim: - Professora, pode voltar a explicar o que é livre arbítrio?

«Help! I need somebody!»

Passarei os pormenores dos testes, são apenas cócegas especiais…

No dia seguinte, após a delimitação de áreas estratégicas pela casa, régua, compasso e calculadora em punho, cai nova sentença, o petiz mais novo está, ele também infetado. Parece mentira, aquele que mais genica apresenta, sempre ligado à ficha.

E agora?

Agora, aproveita-se o Confinado de cima para proceder às dezenas de telefonemas/contactos pelo facto do pequenote ter testado positivo.

Trim-Trim: telefonema da Amiga A.

Quanto aos dois restantes, mãe e filho mais velho, apesar de ainda pequeno, começam a dividir as tarefas entre eles: cesto de roupas improvisadas para todos, casas de banho individuais, apenas partilhada para os negativos, louças para aqui, borrifadela álcool gel dacolá…

Problema Mãe: como jogamos à PS4 se não está na área do Mano?

Empurra sofá, desloca móvel, fita vermelha no chão…

Que susto, voa um avião de papel reciclado do andar de cima ensopado em desinfetante a pedir algo para comer dizendo que, se não padecer do vírus, morre à fome!

Trim-Trim: Telefonema da Amiga B.

Trim-Trim: Telefonema da Querida Colega da Escola que me ajuda tanto.

Calma, muita calma.

E a escola?

Trim-trim: Telefonema da Direção da minha escola.

- Vamos arranjar uma solução, não te preocupes!

Pois, no dia seguinte, os dois manos têm teste, os meus alunos têm aulas, supostamente comigo…

Telefonemas à direita, telefonemas à esquerda, copo de chá de limão com mel pelo meio.

Plim: questão dos alunos via classroom

Tudo se resolve. Aulas online, outra vez, não!

- Mãe, alguém tocou à campainha.

Dirijo-me ao portão: é a vizinha a trazer o papel da baixa. Trabalha no Centro de Saúde. Palavras de força, muito carinho e ânimo. Muito agradecida.

Dia de aulas:

Pequeno-almoço tomado. O Vizinho de cima já em limpezas matinais e desinfeções intensas, um maravilhoso cheiro a álcool gel paira no ar.

O filho positivo de tablet já a aguardar o teste de estudo do meio, muito nervoso porque não está ali a professora, na área vermelha, a cor foi mal escolhida, deveria ser verde; o filho negativo no seu recanto da copa, de classroom aberta e a maldizer das tarefas «para fazer» que os professores agendaram para aquela manhã, mesmo não tendo a disciplina naquele dia!?!

Os meus dois polos da pilha cá de casa, fantástico! E eu, com um simples:

- Meninos, portem-se bem, sejam responsáveis, felizes e cumpram com todas as vossas tarefas. Qualquer dúvida, façam videochamada com o pai que eu tenho aulas no escritório.

Plim: mail da Professora Titular, chegou o teste de Estudo do Meio.

Que susto, uma corda quão serpente curiosa, desliza pelas escadas abaixo com um cestinho feito de papel reciclado com um mini-cartaz a dizer: Não me toque, mas leia-me!

- Tenho fome!

Plim: horas da aula via meet/classroom.

Correria direção cozinha, preparação de um pequeno almoço frugal com entrega uber ao cimo das escadas e triplo salto para a cadeira do escritório. Grande sorriso, madeixas rebeldes viradas para trás, apesar de saber que continuarão sempre para a frente…

Plim: grupo do whatsapp – Professora, já podemos entrar?

Tenham a bondade, chove copiosamente lá fora, mas as janelas estão escancaradas, quem sabe se o vírus não estará farto de nós e decide ir dar um passeio.

- Bom dia turma! Como estão? É que deste lado só tenho acesso a uma parede branca.

- Vamos já professora, não se preocupe.

- Bom dia Colega, grata por estar daí desse lado a prestar-me apoio.

Câmara para a direita, olha vi o Paulo de telemóvel atrás da mochila, câmara para a esquerda, o José continua virado para trás à conversa… Não, que horror!

- Querida Raquel, mostra-me lá o quadro, por favor.

A minha cara em tamanho gigantesco na tela a dar a aula, até «Regresso ao futuro I, II e III» teriam maior sucesso, sem dúvida alguma.

Pondo de parte aquela visão aterradora, decidi ser eu, dar a aula, explicar o poema, refilar por causa das notas obtidas nos testes, ouvir as apresentações orais e tecer comentários o mais construtivos possíveis, pôr a Senhora Professora presente na sala ao barulho, solicitar-lhe opinião.

Não fossem alguns cortes e falhas da net, poderia até afirmar que foi uma aula normal.

Trim-Trim: Os Amigos C tocam à campainha para entregar umas natinhas e umas iguarias que jamais esperaríamos nesse momento. De coração cheio.

As aulas continuam. Outra turma, outra professora a apoiar-me, outros alunos a reagirem com a maior normalidade, como se já procedêssemos desta forma há décadas. Uma educação tremenda, um sentido de humor que permite quebrar o gelo do ecrã, a concentração no trabalho…

Não, não pensem que quero continuar confinada!

Quero poder retribuir a todos aqueles que me estão a dar: o respeito, a solidariedade, o carinho, a amizade, os sorrisos, os telefonemas, o empenho, a pseudo-normalidade, a sorte de continuar a trabalhar…

Quero poder ver a três dimensões sem óculos virtuais e, apesar de ainda não ter a possibilidade de distribuir aqueles abraços e aquele «toque» de que falava um aluno meu, quero voltar…

Plim: um vídeo no whatsapp no grupo família: o Dito-Cujo do andar de cima encenou uma atuação a cantar «Soltem o Prisioneiro, sou prisioneiro…»

                                                                                                                    Helena Bártolo