terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Versão poética de «O Cavaleiro da Dinamarca».

 Com um cheiro cada vez mais intenso a Natal, deixo-vos  uma versão poética do Cavaleiro da Dinamarca, de Sophia Andresen, da nossa colega Fernanda Magalhães.



 

Há dezenas e centenas de anos

Vivia numa floresta, na Dinamarca,

Um Cavaleiro mais a família

(Em frente à casa, o abeto mais alto da floresta)

Todos os anos festejam com alegria

O advento do menino que nascera

Para salvar o mundo.

 

Porém num certo Natal

O Cavaleiro anunciou a sua partida

De hoje a um ano não estarei aqui

Quero passar o Natal na gruta onde Cristo nasceu.

Também deixou uma promessa

Regressarei aqui e de hoje a dois anos

Estaremos, se Deus quiser, de novo reunidos.

 

Partiu na primavera

E chegou à Palestina

Visitou os lugares santos.

No dia de Natal

Rezou muito na gruta de Belém

Glória a Deus nas alturas

E paz na terra aos homens de boa vontade.

 

No regresso, começaram as peripécias.

Com a fúria da tempestade, o navio ficou em peças

O vento amainou, mas o barco já não servia.

Então o Cavaleiro aceitou o convite do Mercador

            E deslumbrou-se com Veneza, cidade feérica e poderosa,

            Ouviu a história de encantar

            De Vanina, donzela de cabelos longos que flutuavam,

E de Guidobaldo, de cabelo da cor do corvo.

 

Em maio conheceu Florença

Cidade da Renascença,

Em casa do banqueiro Averardo

Conheceu histórias de artistas,

Do pintor Giotto, o mais célebre daquele tempo,

E do seu mestre Cimabué,

De Dante que desceu ao Inferno

Para ver a sua amada Beatriz

            (Viagem que a pena do poeta

Eternizou n’ A Divina Comédia).

 

            O banqueiro quis aliciá-lo

Com negócios e a beleza de Florença

Mas havia uma promessa para cumprir

Terei de partir

Os meus filhos, a minha mulher estão à espera

Quero passar com eles o próximo Natal.

Porém adoeceu a caminho de Génova

Num convento de frades convalesceu.

Em final de setembro já os barcos tinham partido

Resolveu seguir por terra.

 

Em Antuérpia privou com um flamengo, o negociante,

E mais uma história ouviu contar

Desta feita da aventura de um capitão tão viajado

Que em Lisboa embarcou com portugueses e Pêro Dias

Até à costa africana

Mas o entendimento com um nativo descambou

E Pêro Dias e o nativo acabaram por se trespassar.

 

O negociante quis aliciá-lo com viagens e fortunas fabulosas

Mas havia uma promessa para cumprir

Era novembro e tinha de partir.

Caminhou longas semanas com o frio a fustigá-lo.

Na antevéspera de Natal

Chegou a uma pequena povoação

Perto de casa e descansou.

Na madrugada da véspera de Natal teve de partir

Foi ter à aldeia dos lenhadores

Mas não ficou lá a pernoitar

Havia uma promessa para cumprir (tinha de partir).

 

A floresta que tão bem conhecia

Era agora um labirinto sem fim

A treva e a neve não davam tréguas

Ouviu os lobos e o ronco de um urso

Mas era noite de trégua, noite de Natal,

Acabaram então por recuar.

Rezou e entre o arvoredo

Viu crescer uma pequena claridade

Era o abeto mais alto da floresta

Lá perto da sua casa

Que os anjos do Natal tinham enfeitado

Para guiar o Cavaleiro.

Fernanda Magalhães, O Cavaleiro da Dinamarca de Sophia de Mello Breyner Andresen (adaptação poética)