Com um cheiro cada vez mais intenso a Natal, deixo-vos uma versão poética do Cavaleiro da Dinamarca, de Sophia Andresen, da nossa colega Fernanda Magalhães.
Há
dezenas e centenas de anos
Vivia
numa floresta, na Dinamarca,
Um
Cavaleiro mais a família
(Em
frente à casa, o abeto mais alto da floresta)
Todos
os anos festejam com alegria
O
advento do menino que nascera
Para
salvar o mundo.
Porém
num certo Natal
O Cavaleiro
anunciou a sua partida
De hoje a um ano não estarei
aqui
Quero passar o Natal na
gruta onde Cristo nasceu.
Também
deixou uma promessa
Regressarei aqui e de hoje a
dois anos
Estaremos, se Deus quiser,
de novo reunidos.
Partiu
na primavera
E
chegou à Palestina
Visitou
os lugares santos.
No
dia de Natal
Rezou
muito na gruta de Belém
Glória a Deus nas alturas
E paz na terra aos homens de
boa vontade.
No
regresso, começaram as peripécias.
Com
a fúria da tempestade, o navio ficou em peças
O
vento amainou, mas o barco já não servia.
Então
o Cavaleiro aceitou o convite do Mercador
E deslumbrou-se com Veneza, cidade
feérica e poderosa,
Ouviu a história de encantar
De Vanina, donzela de cabelos longos
que flutuavam,
E de
Guidobaldo, de cabelo da cor do corvo.
Em
maio conheceu Florença
Cidade
da Renascença,
Em
casa do banqueiro Averardo
Conheceu
histórias de artistas,
Do
pintor Giotto, o mais célebre daquele tempo,
E do
seu mestre Cimabué,
De
Dante que desceu ao Inferno
Para
ver a sua amada Beatriz
(Viagem que a pena do poeta
Eternizou
n’ A Divina Comédia).
O banqueiro quis aliciá-lo
Com
negócios e a beleza de Florença
Mas
havia uma promessa para cumprir
Terei de partir
Os meus filhos, a minha
mulher estão à espera
Quero passar com eles o
próximo Natal.
Porém
adoeceu a caminho de Génova
Num
convento de frades convalesceu.
Em
final de setembro já os barcos tinham partido
Resolveu
seguir por terra.
Em
Antuérpia privou com um flamengo, o negociante,
E
mais uma história ouviu contar
Desta
feita da aventura de um capitão tão viajado
Que
em Lisboa embarcou com portugueses e Pêro Dias
Até
à costa africana
Mas
o entendimento com um nativo descambou
E
Pêro Dias e o nativo acabaram por se trespassar.
O
negociante quis aliciá-lo com viagens e fortunas fabulosas
Mas
havia uma promessa para cumprir
Era
novembro e tinha de partir.
Caminhou
longas semanas com o frio a fustigá-lo.
Na
antevéspera de Natal
Chegou
a uma pequena povoação
Perto
de casa e descansou.
Na
madrugada da véspera de Natal teve de partir
Foi
ter à aldeia dos lenhadores
Mas não
ficou lá a pernoitar
Havia
uma promessa para cumprir (tinha de partir).
A
floresta que tão bem conhecia
Era agora
um labirinto sem fim
A
treva e a neve não davam tréguas
Ouviu
os lobos e o ronco de um urso
Mas
era noite de trégua, noite de Natal,
Acabaram
então por recuar.
Rezou
e entre o arvoredo
Viu
crescer uma pequena claridade
Era
o abeto mais alto da floresta
Lá
perto da sua casa
Que
os anjos do Natal tinham enfeitado
Para guiar o Cavaleiro.
Fernanda Magalhães, O Cavaleiro da Dinamarca de Sophia de Mello Breyner Andresen (adaptação poética)