Uma Farsa de Inês Pereira
A
representação da peça Uma Farsa de Inês
Pereira, encenada por Tomé Vieira, da Companhia de Teatro Actus, é uma adaptação contemporânea da
obra homónima de Gil Vicente.
Começa
por surgir Inês Pereira a queixar-se da vida – jovem e solteira, deseja
casar-se urgentemente para fugir à sua vida de cativeiro e às fastidiosas
tarefas domésticas. Após recusar o pretendente proposto por Lianor Vaz, os
judeus casamenteiros encontram o Escudeiro, um homem galante, discreto,
bem-falante e que sabe «tanger viola», requisitos dos quais a jovem não abdica.
Após o casamento, Brás da Mata demonstra ser altivo, controlador e agressivo,
privando-a de liberdade. Com a posterior morte do marido em combate, às mãos de
um pastor mouro de quem fugira cobardemente, Inês, agora dotada de um
pragmatismo ditado pela experiência, volta a casar-se, desta feita com Pero
Marques, um lavrador abastado que ela tinha inicialmente desprezado por não ser
discreto. Aproveitando-se da liberdade concedida pelo marido, Inês trai-o
descaradamente e convence o ingénuo Pero a carregá-la às costas até ao local do
encontro amoroso com o Ermitão. A representação encerra com Inês a entoar uma
canção alusiva à condição do marido traído, cumprindo, deste modo, o mote Mais
vale asno que me leve, que cavalo que me derrube.
Um
dos aspetos cativantes da encenação foi o facto de sensibilizar o público para
problemas atuais, já existentes no século XVI, evidenciando a intemporalidade
da mensagem. Efetivamente, esta peça, adaptada ao século XXI, tem a intenção de
provar que os comportamentos do passado ainda se mantêm nos dias de hoje. A
título de exemplo, podemos apontar a própria Inês Pereira, cuja exigência em
relação à escolha do futuro marido a empurrou para a infelicidade, resultado de
uma relação abusiva, evocando o eterno e universal flagelo da violência
doméstica. A infidelidade de Inês Pereira, que se vale da ingenuidade de Pero
Marques, também é um comportamento que se perpetua até hoje, sem esquecer a
devassidão do clero, e o seu desrespeito pelo voto de castidade, transversal a
todas as épocas.
Outro ponto digno de registo é a representação
do cómico, recorrendo à realidade da nossa época, nomeadamente nas partes em
que as personagens cantavam músicas da atualidade, bem como nos momentos de
dança, para tornar o humor mais abrangente e próximo do público, explorando
várias situações engraçadas, apelando à caricatura e ao exagero, a fim de
provocar o riso. No entanto, as partes da peça que suscitaram mais gargalhadas
por parte da plateia foram, indubitavelmente, as cenas de cariz sexual.
No
que concerne à interpretação, o ator que mais sobressaiu foi o que incarnou o
Escudeiro, pois conseguiu espelhar o verdeiro caráter de Brás da Mata – calculista,
dissimulado, recorrendo à lisonja hipócrita, depressa revela a sua verdadeira
personalidade ao casar com Inês Pereira, mostrando-se autoritário e agressivo.
O
guarda-roupa, adaptado ao século XXI, também merece alguma atenção, na medida
em que procurou caracterizar devidamente as personagens, com destaque para a
indumentário de Pero Marques, pois retrata bem o seu lado camponês.
Em
contrapartida, os cenários deixaram bastante a desejar, por se revelarem pobres
e vagos, embora o artifício utilizado para abordar os vários espaços, através
de uma simples cortina, cuja função visava a delimitação dos mesmos, tenha sido
algo engenhoso. Assim, umas das recomendações que deixamos seria a aposta na
construção de cenários mais elaborados e apelativos.
Consideramos, por isso, que
a peça soube cativar o público escolar, pela adaptação ao nosso tempo, pela
dimensão satírica, sem descurar a função didática e moralizadora, apanágio da
obra de Gil Vicente, com o propósito de corrigir os vícios. É caso para dizer Ridendo castigat mores, que é como quem
diz, a rir se corrigem os costumes.
Texto elaborado na turma do 10º A, (com a coordenação da professora Fernanda Magalhães)